Utopia  

Posted by Mariana Sugahara

by Mariana Sugahara



A decisão estava tomada, iriam conhecer o mar. O pai é quem manda e ninguém se atreve a contestar. Mas afinal, era uma maravilhosa ideia, pois para quem só ouvia as histórias dos mares, estarem frente a frente com o mundo de águas era êxtase a flor da pele. A família era numerosa, além dos pais, uma dezena de filhos. Tudo estava pronto para a partida. Os meninos com chapéus de palha trançada, pois o sol na América Latina é ardido; as meninas delicadas para o passeio, de vestido branco bordado com flores roxas e amarelas, sapatos furadinhos na parte de cima. Para refrescar, a mãe fez cada filho levar seu próprio litro de água fresquinha lá da mina no quintal da casa. Sacos para dormir, caso não encontrassem um hotel, cobertores e edredons para os alérgicos. Comida tinha muita, dinheiro nem tanto. Não era necessário luxo mesmo, o suficiente para qualquer imprevisto.

A família deu a última olhada pra casa grande, vários quartos espaçosos com paredes amareladas pelo tempo, as portas recém envernizadas, iriam começar a reforma, porém a viagem veio em primeiro lugar. Cozinha e salas arejadas pela brisa que vinha dos pomares. No quintal o jardim colorido por violetas, samambaias, orquídeas, entre tantas outras e até raras flores muito bem cultivadas e as redes para balançar nos dias quentes de verão, uma para cada filho. No meio do quintal um grande poço artesiano, abastecido pela mina nos fundos, de lá vinha água que distribuía para toda a residência. A frente da casa verdinha transmitia tranqüilidade, mas o seu portão de ferro dizia quanto era unida e forte aquela família. Os mais velhos tinham tristeza no olhar, não sabiam quanto tempo duraria aquela viagem, pois a casa ficaria fechada e tinham muito valor sentimental pela residência. Os novinhos não se importavam, queriam conhecer outros lugares. Então começaram a caminhada junto com outras famílias, conhecidos antigos da cidade.

Andaram por muito tempo, mas a vontade de conhecer o mar não os deixava desfalecer. Param e acamparam. No dia seguinte retomaram a caminhada. Essa rotinha durou cerca de vinte e seis meses. As famílias tinham comemorado seus aniversários nas estradas e matas. Sem bolo, só com bolachas e água, ou frutas. Estavam andando em círculos, nunca encontrariam o mar. Passaram a comer frutos que encontravam pelo caminho, água era racionada, pois nem sempre encontravam um riacho limpo, mas quando sim, era um alvoroço, enchiam as garrafas e tudo que podiam. As mães não aguentavam mais a vida de nômades. Haviam enfrentado onças, porcos do mato, tudo o que a selva tem a oferecer. As roupas já não estavam em perfeito estado, desbotadas e rasgadas, os sapatos estavam sem a sola de borracha. Nos pés havia bolhas d’água gigantescas que ardiam dia e noite.

O sobe e desce das serras a procura pelo mar os deixou exaustos. As crianças, que no inicio estavam saltitantes e dispostos a explorar novos lugares agora abatidos, as mulheres fadigadas. Os homens mais frustrados do universo estavam reunidos naquele vale, de todos os lados o que se via era grama, pedra, bambu e lama, para consolo algumas árvores frutíferas. Não encontravam o caminho de volta para a saudosa terra natal. Os homens se reuniram, uma espécie de conferência foi formada. A decisão era uma só, sem opção, trataram de formar um vilarejo e recomeçar a vida naquele lugar esquecido pelo mundo. Mais uma vez acamparam.

O sol chegou ardente convidando para se levantarem e trabalharem. Havia muito que fazer naquele lugar. Muito bambu para cortar, muita lama para juntar, e garimpar comida para o grupo todo. Todos estavam engajados. No fim do dia estava pronto. Com barro e bambus levantaram as paredes de um “cômodo”, e com folhas de bananeiras fizeram o teto para repousar suas cabeças. Tinha dado certo, assim fariam suas novas casas. Um ajudava o outro, havia unanimidade em tudo. Uma casa aqui outra acolá. O vale foi invadido pela civilização. Estacas de madeira recolhida dentro da mata foram fincadas no chão, era o sustento da “oca”. Barro para todos os lados, muito bem rebocados nas colunas. O mato deu lugar para o povo se abrigar. O tempo estava passando e a cidadezinha não parava de crescer. As crianças deixaram os brinquedinhos e adquiriram outros hábitos de adultos. Os adultos os de idosos. Multiplicaram- se rapidamente. Desenvolveram tecnologias para si, conforme o que a natureza lhes oferecia. No início poços no centro da aldeia. Com o tempo água e esgoto encanados. Descobertas de novas terras e genéticas. A cidade verde e marrom tinha em suas ruas pedras ladrilhadas como asfalto. Na área central uma praça com bancos de madeira, flores para enfeitar, árvores para arejar. Um lugar místico e romântico. Atrás, uma igreja humilde, mas aconchegante para seus fiéis. Tudo corria bem nas ruas de Macondo, até Gabriel García Márquez acordar de seu sonho.

This entry was posted on quinta-feira, 11 de novembro de 2010 at 10:07 . You can follow any responses to this entry through the comments feed .

0 comentários

Postar um comentário